
Eu sou uma mãe atípica.
O meu nome é Albertina Marçal e sou mãe atípica de Luís França, um jovem com Autismo de 26 anos. E há 24 anos que eu entrei para o mundo do Autismo, na cidade de Lisboa. Entrei da pior maneira porque com 2 anos o meu filho foi diagnosticado com Défice Cognitivo Profundo no Hospital de Santa Maria. Uma consulta terrível que nos mergulhou num tempo de “trevas”, como eu lhe chamei na altura, que nos fez mudar de escola, de casa e de zona de residência.
O novo jardim de infância foi muito importante porque teve a sorte de ter professoras fantásticas que nos ajudaram neste início de caminhada. Começaram de imediato as terapias e o meu filho conseguiu ter 10 horas de acompanhamento especial por semana, o que na altura era fantástico e único, como referiu um médico famoso “que nem que fôssemos os reis da Pérsia o nosso filho não teria mais horas de terapia”. O que infelizmente não era bem verdade porque do outro lado do Atlântico, por exemplo, como eu descobri anos mais tarde, as crianças tinham pelo menos 20 horas semanais de terapia, o que teria feito toda a diferença se eu tivesse tido conhecimento quando o meu filho tinha 3 anos. Provavelmente não haveria razão para estar aqui a escrever a minha história.
Assim dos três aos cinco anos foi um período de luta, mas de isolamento. O nosso filho tinha características muito especiais que fazia com que nem os meus pais pudessem ficar com ele. No dia que fez os cinco anos e meio foi a primeira vez que ele dormiu fora da nossa casa, na dos avós.
Corremos, no tempo, por todos os médicos que de algum modo acreditávamos que pudessem ajudar. Uns apontavam o pior e só um é que deu alguma luz porque o nosso filho adorava figuras geométricas.
O Primeiro Ciclo nos dois anos iniciais correu razoavelmente, mas depois começou a descida aos infernos. Com efeito, o nosso filho nos dois primeiros anos da escola primária teve a sorte de ter conseguido ser acompanhado integralmente por uma senhora (facultada pelo estado português) que por acaso era mãe de crianças especiais.
O terceiro ano já não teve esse acompanhamento e a professora começou a ter problemas pessoais gritando demais nas aulas como vim a saber mais tarde.
Assim, o nosso filho ficou basicamente com as horas de terapia que nós lhe fornecíamos que na altura eram cerca de 3 horas por semana.
E aqui começou uma batalha árdua que se viria a repetir várias vezes quando o nosso filho iniciava um novo ciclo. Uma luta por maior suporte, compreensão e sensibilidade.
No terceiro ano a professora informou-me numa reunião de encarregados de educação que não valia a pena comprar livros porque seria dinheiro mal gasto. Eu respondi imediatamente que não se preocupasse com isso e exigi as referências bibliográficas para adquirir.
Foi um tormento que acabou com a retenção do meu filho no quarto ano.
Contudo, foi a melhor coisa que eu fiz porque ao mudar de professora regular e professora de educação especial tive a sorte de encontrar outras pessoas que olharam de uma outra forma para o meu filho e que, por isso, de um ano para o outro deixou de ter disgrafia, discalculia e outras coisas mais que as professoras cessantes alegavam que o meu filho tinha, impingindo tais problemáticas mesmo às terapeutas que o acompanhavam e que muitas vezes duvidavam da situação como era pintada. E acabou também de tomar ritalina, que tomava desde o terceiro ano e que me tinha sido imposta sob ameaça de o meu filho ter de sair da escola se não a ingerisse.
A nova professora de educação especial acompanhou-o até ao nono ano e foi uma estrela que o meu filho teve.
Na entrada do quinto ano percebi que o meu filho estava rotulado de incapaz embora tivesse recuperado no ano de retenção 18 meses de Matemática e de História que tinham sido deixadas de ser exigidas pelas professoras antigas por ele ser considerado incapaz de reter as matérias.
Entretanto muita coisa tinha acontecido, inclusive o primeiro episódio de bulling logo no segundo ano do Primeiro Ciclo. O segundo episódio e bastante grave de bulling foi depois no nono ano.
A partir do quinto ano o meu filho começou a jogar xadrez de que se tornou federado anos mais tarde.
Uma atividade que se acrescentou a outra que tinha começado aos 5 anos de idade e que tinha a ver com a sua paixão pelos cavalos. Começou na Hipoterapia, depois passou para a Equitação e aos 9 anos iniciou a competição em Atrelagem Adaptada. Aos 10 anos começou a sua aprendizagem de viola, tendo feito parte dos Reguilas, um grupo de miúdos que tocavam e cantavam e tinham em comum o professor de Música.
Esta grande paixão que desde muito cedo esteve sempre presente continuou até hoje, integrando a Orquestra Filarmónica Incrível Almadense, uma das bandas mais antigas portuguesas onde toca trombone. Participou também da Tuna da Faculdade.
Sim, o meu filho fez a licenciatura em Matemática e está a acabar o Mestrado em Matemática. Cerca de 10 anos depois de ter sido considerado incapaz para a Matemática.
Os 9 e 10 anos foram efetivamente a grande revolução. Começou com a terapia ABA. Fez os exames nacionais do Primeiro e Segundo Ciclo. Não perdeu nenhum ano. Foi uma caminhada árdua, mas com sucesso.
Quando chegou ao Secundário desenhou-se outra batalha, o que levou a queixas formais contra a escola para onde tinha mudado no 10º Ano e no Ministério da Educação.
Mais uma vez teve de mudar de escola e alterou também o curso para Ciências e Tecnologias. E repetiu o 10º Ano e não mais parou mesmo nos exames nacionais.
E quando entrou na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa fui chamada no primeiro semestre para ouvir que o meu filho não deveria estar ali.
Nessa altura já estava acompanhada pela responsável técnica do Centro ABCReal que eu e o meu marido tínhamos criado para o nosso filho poder usufruir da ABA que fez a diferença na sua vida.
E o nosso filho continuou na Faculdade onde também não parou mais, melhorando resultados de semestre para semestre. E quando quis ir para o Mestrado também houve recomendação de que talvez não fosse o mais adequado para ele. Até agora o Mestrado tem sido um sucesso, tendo começado agora o estágio numa grande empresa que conseguiu por mérito próprio.
Muito havia a dizer e muito ainda há para trabalhar e lutar. Estou muito cansada, a caminhada tem sido dura, mas com um sucesso imparável.
Nada disto seria possível sem o apoio incondicional do pai que está sempre pronto para ele e para mim. Todas as professoras e terapeutas que acompanharam o meu filho e em particular o pessoal técnico do Centro ABCReal.
É uma odisseia de muito amor, paciência, esforço e trabalho continuado. De alguma sorte também e creio de ajuda Divina.
Tanto eu como o meu marido e mesmo o nosso filho não nos cansamos de contar a nossa história porque sabemos que é preciso sempre continuar a sensibilizar para o Autismo e para a ABA. Todas as atividades e iniciativas nesse sentido são muito importantes.
Acredito que este Congresso seja mais uma etapa positiva e importante no sentido de informar todos os intervenientes neste mundo que o Autismo pode ser terrível, mas não tem de ser o fim do mundo. Trabalhar muito e seguir sempre em frente pode fazer toda a Diferença!
Albertina Marçal
Albertina Marçal | ABCReal no Instagram.
Para mais informações:
Rui Martins
E. rui.martins@prmarketingstrategy.com M. +351 919 923 752
Lindo texto que nos enche de esperanca.
Uma Grande História de amor e luta. O elogio da importância das pequenas coisas do quotidiano, aquelas que fazem a diferença. Muitos sucessos.
Uma Grande História de amor e luta. O elogio da importância das pequenas coisas do quotidiano, aquelas que fazem a diferença. Muitos sucessos.
Nunca desista. Não perca a Esperança e lute sempre por uma vida melhor para eles que tanto amamos