
GUILHERME REIS, Psicólogo Comportamental, orador e membro da Comissão Científica do CEA 2025
CEA: Dr. Reis, como especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e Análise do Comportamento Aplicada (ABA), como integra essas abordagens no tratamento de indivíduos com Perturbação do Espetro do Autismo?
Guilherme Reis: Essa é uma pergunta muito interessante. Gosto de pensar na abordagem clínica da Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) - como mais usualmente utilizado em Portugal vs Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) usado no Brasil -, de forma não clubista. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) também é uma prática baseada em evidências e apresenta resultados relevantes na sua aplicação à PEA. Da mesma forma, a Análise do Comportamento tem as uas contribuições e aplicações clínicas significativas.
De modo geral, aprecio a forma como a TCC aborda o estudo das emoções e das habilidades sociais. Por outro lado, a ABA demonstra um volume maior de evidências e oferece tecnologias mais desenvolvidas para o ensino do comportamento verbal, além de estratégias eficazes para o entendimento e manuseamento de comportamentos interferentes e várias outras questões! No entanto, é importante destacar que um bom profissional pode até ter conhecimento em diferentes abordagens, mas deve tomar cuidado para não as misturar de forma desorganizada, correndo o risco de adotar uma postura ineficaz, Até porque, quando falamos de TCC e ABA, apesar de algumas familiaridades conceituais, estamos a lidar com ciências que possuem pressupostos epistemológicos e visões de ser humano diferentes e, por vezes, contrastantes.
CEA: Quais são os principais desafios que encontra ao aplicar intervenções baseadas em ABA em diferentes faixas etárias dentro do espectro do autismo, desde crianças até adultos?
Guilherme Reis: Quando falamos sobre Análise do Comportamento Aplicada à PEA, já trazemos a ideia de individualização do tratamento. Essa perspetiva abrange diferentes idades, níveis de suporte e necessidades específicas. Afinal, os desafios variam bastante ao longo das fases da vida do indivíduo, desde a intervenção precoce até a idade adulta, e cada etapa tem as suas próprias prioridades de intervenção.
Por exemplo, na intervenção precoce, o foco está em estabelecer pré-requisitos e garantir bases sólidas para o desenvolvimento. Já na fase adulta, o objetivo passa a ser o desenvolvimento da autonomia e independente. No entanto, tudo isso deve ser analisado considerando diversos outros fatores. Por isso, é essencial adotar uma abordagem individualizada,
CEA: Como supervisor clínico e consultor em diferentes centros de intervenções no Brasil e exterior, é responsável pelo desenvolvimento de tecnologias comportamentais. Poderia partilhar algumas inovações que têm sido eficazes no apoio a indivíduos com PEA?
Guilherme Reis: Bom, essa é uma pergunta ampla! Mas podemos tentar segmentá-la. Acredito que há novas tecnologias atuando tanto no âmbito metodológico quanto no estrutural. Uma das principais inovações está na centralização do sujeito no seu próprio
processo interventivo, considerando o assentimento como uma dimensão fundamental do trabalho. Metodologicamente, isso implica respeitar padrões e individualidades, criando cada vez mais possibilidades de escolha para as próprias pessoas com PEA.
Outro aspeto essencial é a capacitação das famílias, tornando-as parte ativa do processo. Atribuir responsabilidade às famílias sem fornecer os meios adequados para tal é um erro. O acolhimento e a formação são fundamentais para a aprendizagem, e, por isso, os novos modelos de tratamento têm trazido o treino parental como prioritários na rotina clínica.
Poderia listar outras diversas inovações, mas quero destacar um último ponto os ambientes terapêuticos não devem limitar-se a uma sala pequena com mesa e cadeira. Temos percebido que ambientes mais amplos, externos e acolhedores, assim como intervenções em ambientes naturais, podem trazer ganhos mais significativos para os processos de aprendizagem.
CEA: Qual é a importância da supervisão e da formação de equipas multidisciplinares na implementação de intervenções eficazes para pessoas com autismo?
Guilherme Reis: De 0 a 10? Eu diria 100! Supervisão e formação fazem parte do processo de capacitação continuada. Não é à toa que, em alguns países, estar submetido a esses processos é um requisito para atuar com o público PEA.
Isso garante que a equipa esteja sempre preparada e atualizada sobre as abordagens mais seguras, éticas e eficazes quando falamos em intervenções clínicas. Esse é um dos pilares das práticas baseadas em evidências – e não por acaso. De nada adianta uma prática ser eficaz se não houver alguém capacitado para aplicá-la corretamente. Além disso, quando falamos sobre supervisão clínica de casos, estamos a referir-nos à necessidade de haver alguém nesse papel, monitorizando e auxiliando na tomada das melhores decisões para cada caso. É essencial que haja um profissional responsável por gerir o tratamento, garantindo que as melhores práticas sejam aplicadas e que a aprendizagem ocorra de forma significativa.
CEA: Como contribui a avaliação funcional do comportamento para a personalização das intervenções em ABA para indivíduos com autismo?
Guilherme Reis: Resumidamente, a análise funcional ajuda-nos a compreender a função dos comportamentos, ou seja, o motivo pelo qual eles ocorrem. Esse é um passo fundamental antes de tomarmos qualquer decisão, como a aplicação de uma intervenção, por exemplo: Primeiro entendemos o “porquê”, depois definimos o “o quê” e o “como” fazer.
Avaliar a função de um comportamento significa trazer clareza às suas razões, permitindo a implementação de intervenções seguras e eficazes. Cada comportamento tem uma função, portanto, não faz sentido pensar em intervenção sem um planeamento individualizado.
Hoje, contamos com diversas metodologias baseadas em evidências para elucidar esse processo, tornando a análise funcional cada vez mais precisa e acessível.
CEA: Que estratégias utiliza para abordar comportamentos desafiadores em indivíduos com PEA, garantindo a segurança e promovendo o desenvolvimento de habilidades adaptativas?
Guilherme Reis: Em primeiro lugar, é fundamental entender a função do comportamento. Como mencionado anteriormente, cada comportamento tem a sua história e razões para ocorrer. Após essa compreensão, a intervenção deve seguir a linha da função identificada.
De modo geral, há diversas tecnologias de intervenção, que vãodesde o ensino de comportamentos alternativos até protocolos de segurança física para emergências comportamentais. Esse é um campo bastante amplo, e citar diferentes intervenções sem relacioná-las a um processo específico de avaliação funcional seria superficial.
O que podemos afirmar é que, atualmente, há muitas pesquisas voltadas para
intervenções baseadas em reforço, reduzindo cada vez mais a necessidade de estratégias baseadas em controle aversivo.
A melhor estratégia ainda é aquela que previne e gere a ocorrência do comportamento desafiador antes que ele se torne um risco na sua relação com o ambiente.
CEA: Como envolve as famílias no processo terapêutico, e qual é o impacto dessa colaboração no progresso dos indivíduos com PEA?
Guilherme Reis: Ótima pergunta. Falei um pouco sobre isso acima, mas acho que podemos detalhar mais aqui. Eu costumo envolver as famílias em 2 processos básicos. Orientação e formação parental. Quando falamos sobre orientação e escuta, falamos sobre a criação de um canal aberto para dúvidas, acolhimento e direcionamento frente a questões do quotidiano. São necessárias reuniões periódicas, que podem ser tanto por procura espontânea, como por agendamento prévio e cronograma.
A formação refere-se a preparar aquela família para modificar ou desenvolver algum comportamento no indivíduo com PEA, e nessa formação podemos ensinar, dar modelos, aplicações fictícias entre terapeuta e família, supervisionar aplicações reais diretas com o cliente. Em suma, tornar a família preparada para gerir comportamentos.
CEA: Quais são as tendências emergentes na Análise do Comportamento Aplicada ao autismo que considera promissoras para o futuro das intervenções?
Guilherme Reis: A tendência é tornar o tratamento cada vez mais humanizado, tanto para aqueles que o recebem como para aqueles que o aplicam. Quando penso no futuro, imagino um modelo de intervenção que estruture planos de tratamento com base nas reais necessidades do indivíduo, sem influências mercadológicas.
Visualizo um futuro em que o acolhimento familiar ocorra sem julgamentos, promovendo uma parceria genuína entre família, terapeutas e escola. Um cenário no qual todos os agentes envolvidos na vida da pessoa com PEA atuem com um objetivo comum: seu desenvolvimento e inclusão social. Penso que o futuro está justamente em respeitar cada vez mais o assentimento durante o tratamento e garantir que as melhores práticas baseadas em evidências sejam aplicadas às pessoas dentro do espectro.
Que o futuro da intervenção seja, acima de tudo, um futuro de respeito, ciência e inclusão.
Biografia
Psicólogo Comportamental, Mestre em Análise do Comportamento pela PUC-SP, Guilherme Reis é referência na aplicação da ABA (Análise do Comportamento Aplicada), atuando como supervisor, professor de pós-graduação e consultor. Com uma trajetória marcada pela excelência académica e prática clínica, dedica-se à formação de profissionais e ao desenvolvimento de estratégias eficazes para a intervenção comportamental.
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