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Autismo na Infância e Adolescência: ENTREVISTA EXCLUSIVA com Deborah Kerches

Foto do escritor: Congresso CEACongresso CEA

Deborah Kerches é Neurologista da Infância e Adolescência, Especialista em Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) e Autora Best-Seller



CEA2025: Dra. Kerches, a sua pesquisa destaca o Treinamento de Comunicação Funcional (FCT) para indivíduos com autismo. Pode explicar como o FCT contribui para melhorar a comunicação e reduzir comportamentos disruptivos?


Deborah Kerches: Os déficits na comunicação social são uma das características centrais da Perturbação do Espetro do Autismo (PEA-PT) / Transtorno do Espectro Autista (BR-TEA). Dificuldades em expressar necessidades e sentimentos, seja por meio da comunicação vocal ou não vocal (gestos, expressões, recursos visuais, comportamento textual, etc.), podem levar a emergência de comportamentos interferentes, como choro excessivo, gritos, birras, destruição de itens, agressões e comportamentos autolesivos. 


Esses comportamentos podem ser reforçados a partir do momento que, assim que emitidos, permitem acesso a atenção, itens de preferência, fugir ou se esquivar de algo aversivo. Dessa forma, os comportamentos interferentes passam a ser uma maneira eficiente de comunicar-se gerando impactos negativos na aprendizagem, interação social e qualidade de vida.

Uma comunicação funcional, portanto, é essencial para promover qualidade de vida e participação social mais ampla. O Treinamento de Comunicação Funcional (FCT) é uma intervenção baseada em evidências que ensina o indivíduo a utilizar respostas comunicativas mais eficazes e socialmente adequadas para expressar suas necessidades e desejos. Antes da implementação, é necessário avaliar qual reforçador que está mantendo o comportamento interferente. 


O FCT reduz comportamentos interferentes ao ensinar uma Resposta de Comunicação Funcional (RCF) alternativa que deve ser de baixo custo (como o uso de um cartão de comunicação) e socialmente relevante para substituir o comportamento inadequado possibilitando uso de formas apropriadas de comunicação para obter o que precisam, reduzindo a necessidade de recorrer a comportamentos interferentes.


CEA2025: O diagnóstico de autismo em meninas e mulheres apresenta desafios únicos. Quais são as particularidades do autismo feminino e como podemos aprimorar o reconhecimento e o suporte para essa população?


Deborah Kerches: As taxas de detecção da PEA são significativamente maiores em meninos, mas essa discrepância não reflete necessariamente a realidade. O autismo feminino, especialmente nos casos de nível 1 de suporte, muitas vezes passa despercebido devido a características mais sutis, como menor tendência a externalizar desafios, interesses restritos não considerados “atípicos” e o maior uso de camuflagem social para se adaptar ao ambiente.


Além disso, fatores culturais e sociais influenciam essa subidentificação, dado que as expectativas comportamentais distintas para meninos e meninas, aliadas a critérios diagnósticos baseados predominantemente em populações masculinas, dificultam o reconhecimento da PEA em mulheres. Como resultado, muitas passam a vida sem diagnóstico ou recebem-no tardiamente, frequentemente após múltiplos tratamentos - como para ansiedade, depressão e Burnout – sem respostas favoráveis. Esse atraso na identificação da PEA pode aumentar a vulnerabilidade a relacionamentos abusivos, dificuldades na maternidade, maior risco de suicídio, entre outros inúmeros desafios importantes.


Para aperfeiçoar o reconhecimento e o suporte, é fundamental ampliar a consciencialização sobre a PEA feminino, capacitar profissionais para identificar suas particularidades e almejar critérios diagnósticos que contemplem melhor essa população. O diagnóstico precoce pode ser transformador, possibilitando que essas meninas/mulheres compreendam melhor a si mesmas, encontrem estratégias eficazes para lidar com desafios e vivam com mais autenticidade e qualidade de vida.



CEA2025: Como mestre em Análise do Comportamento e neuropediatra, como você integra essas duas áreas na prática clínica para beneficiar crianças e adolescentes com autismo?


Deborah Kerches: A integração entre Neuropediatria e Análise do Comportamento Aplicada (ABA) permite um olhar mais abrangente e funcional para a avaliação e intervenção em crianças e adolescentes com Perturbação do Espetro do Autismo (PEA). Como neuropediatra com formação em Análise do Comportamento, a minha prática clínica é baseada numa abordagem interdisciplinar, na qual o conhecimento sobre neurodesenvolvimento é aliado a estratégias baseadas em evidências para modificar o ambiente e promover aprendizagens mais eficazes e efetivas. 


A neuropediatria contribui para o diagnóstico, identificação de sinais precoces, avaliação do desenvolvimento neurológico e comorbidades, além de considerar aspetos genéticos, neurobiológicos e farmacológicos, quando necessário. A Análise do Comportamento contribui para identificar as variáveis ambientais que influenciam a emissão e manutenção dos comportamentos da criança e fornecer dados quantitativos sobre a efetividade das intervenções. 


Esta abordagem integrada fortalece a intervenção terapêutica, garantindo que as estratégias sejam alinhadas ao desenvolvimento da criança e às suas necessidades ambientais. Além disso, as famílias recebem suporte sobre manejo comportamental, ensino de habilidades sociais e comunicação, resultando em melhor qualidade de vida e maior autonomia para a criança e sua família.


CEA2025: Qual é a importância da intervenção precoce para crianças com autismo e que resultados podem ser esperados com essa abordagem?


Deborah Kerches: A intervenção precoce refere-se ao conjunto de estratégias e terapias iniciadas nos primeiros anos de vida da criança, geralmente antes dos cinco anos de idade, fase em que o cérebro é ainda mais plástico, maleável, com maior capacidade para desenvolver novas habilidades e competências, o que explica a importância das intervenções precoces quando há atrasos e déficits no desenvolvimento neuropsicomotor e social. 


Esta fase é crucial porque o cérebro infantil está em franca neuroplasticidade, que é a capacidade de moldar-se, adaptar-se em nível estrutural e funcional mediante estímulos recebidos e experiências vividas. Essas experiências mediadas por interações sociais afetuosas e vínculos emocionais seguros fortalecem ainda mais a aprendizagem, promovendo a criação de conexões neurais mais robustas e facilitando o desenvolvimento de competências cognitivas, sociais e comunicativas.


A identificação precoce de sinais de alerta para atrasos no neurodesenvolvimento e a procura por suporte especializado são essenciais, mesmo antes de um diagnóstico fechado. Isso permite que cada criança receba um acompanhamento adequado às suas necessidades, otimizando seu potencial de aprendizado e qualidade de vida.


CEA2025: É autora de livros sobre o autismo, como "Compreender e Acolher Transtorno do Espectro Autista na Infância e Adolescência". Como pode a literatura auxiliar pais, educadores e profissionais a entenderem melhor o autismo?


Deborah Kerches: A literatura exerce um papel fundamental na disseminação de conhecimento qualificado sobre o autismo. Atualmente, temos acesso a uma grande quantidade de informações por meio da tecnologia e das redes sociais. No entanto, junto a conteúdos confiáveis, há também muita desinformação, especialmente na área da saúde e comportamental, com informações propagadas sem embasamento científico ou responsabilidade.

Nesse contexto, a literatura baseada em evidências científicas apresenta-se como uma fonte segura para pais, educadores e profissionais que desejam compreender o autismo de forma aprofundada e responsável.Quando falamos em neurodesenvolvimento, e especialmente na PEA, é essencial reforçar a importância de intervenções precoces e fundamentadas na ciência. O conhecimento seguro permite que as pessoas tomem decisões assertivas e ofereçam o suporte adequado, promovendo o pleno desenvolvimento e uma melhor qualidade de vida para indivíduos no espeotro e suas famílias.


CEA2025: Qual é o papel das famílias no desenvolvimento e suporte de crianças e adolescentes com autismo? Que orientações/recomendações daria para os pais que procuram auxiliar os seus filhos de maneira eficaz?


Deborah Kerches: As famílias desempenham um papel essencial no desenvolvimento e suporte de crianças e adolescentes autistas, tanto no acompanhamento terapêutico quanto no apoio prático do dia a dia. O envolvimento e participação dos pais favorece a generalização das habilidades aprendidas, possibilita ajustes mais eficazes no plano terapêutico e, acima de tudo, garante um suporte contínuo, adaptado às necessidades da criança.

Os pais são os maiores especialistas nos seus filhos e devem estar à frente das decisões, mantendo um diálogo constante com os profissionais. Pesquisar informações de qualidade e baseadas em evidências é fundamental para compreender melhor as necessidades individuais da criança e tomar decisões mais assertivas.


No cotidiano, o suporte da família pode envolver a adaptação do ambiente para favorecer a comunicação, o estímulo à autonomia em atividades de vida diária, acomodações sensoriais, rotinas que proporcionem previsibilidade e segurança, manejo de comportamentos interferentes (problemáticos), entre outros aspetos. Além disso, a família desempenha um papel essencial no apoio emocional e na valorização das conquistas da criança.


É importante reforçar que não existe um “único caminho” no acompanhamento da PEA. As intervenções devem ser sempre individualizadas, considerando tanto os desafios quanto as potencialidades de cada indivíduo, com a família no centro das decisões essenciais para promover seu desenvolvimento pleno e qualidade de vida.



CEA2025:  Quais são as perspetivas futuras no tratamento e suporte para indivíduos com autismo? Há novas abordagens ou pesquisas que considera promissoras?


Deborah Kerches: As perspetivas futuras para o acompanhamento na PEA estão alinhadas com intervenções baseadas em evidências, avanços científicos, maior capacitação profissional e maior conscientização social. 


A ciência tem demonstrado, de forma consistente, que a intervenção precoce e individualizada é um dos fatores mais determinantes para o desenvolvimento de habilidades e para a melhora da qualidade de vida de pessoas autistas.

Para que os diagnósticos e intervenções sejam realizados o mais precocemente possível, é fundamental ampliar a consciencialização sobre a PEA como um amplo espetro – onde temos grande variabilidade de características, necessidades e potencialidades. Quanto maior o conhecimento sobre os sinais do autismo e sua diversidade de manifestações, maiores as chances de um suporte adequado desde os primeiros anos de vida.

Com o avanço das pesquisas, têm vindo a ser desenvolvidas novas abordagens para melhorar o suporte a pessoas autistas, incluindo tecnologias assistenciais, metodologias inovadoras para o ensino de habilidades sociais e adaptações que favorecem a inclusão em ambientes educacionais, profissionais e sociais. 


O futuro do suporte ao autismo depende, portanto, do compromisso contínuo com o conhecimento científico, da ampliação do acesso a intervenções eficazes e da construção de uma sociedade mais preparada para acolher e respeitar a diversidade, garantindo que pessoas autistas possam desenvolver seu potencial e participar plenamente em diferentes contextos.



Biografia

Dra. Deborah Kerches é uma referência no estudo e intervenção na Perturbação do Espetro do Autismo (PEA), com uma trajetória marcada pela inovação científica, educação e impacto social. Neurologista da infância e adolescência, é Mestre em Análise do Comportamento pela PUC-SP e investigadora nas áreas de autismo feminino e Treino de Comunicação Funcional (FCT).


Com uma sólida formação, é pós-graduada em psiquiatria pelo Cenbrap, certificada em Professional Crisis Management (PCMA) e possui capacitação em Intervenção Precoce baseada no Modelo Denver para crianças com TEA. Como palestrante, partilha conhecimento sobre autismo no Brasil e no exterior, contribuindo para a disseminação de práticas baseadas em evidência.


É autora do best-seller “Compreender e Acolher: Transtorno do Espectro Autista na Infância e Adolescência”, coordenadora editorial das obras de sucesso “Autismo ao Longo da Vida” (vol. 1 e vol. 2) e colaboradora em diversos capítulos sobre o espectro do autismo.


Além da sua atuação clínica e acadêmica, dedica-se ao impacto social como madrinha da Plataforma Capacitar para Cuidar em Angola. É conselheira profissional da Rede Unificada Nacional e Internacional pelos Direitos dos Autistas (Reunida) e membro da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil e da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil (Abenepi).


Atualmente, desempenha um papel ativo como coordenadora e professora de pós-graduações, contribuindo para a formação de profissionais especializados no acompanhamento e suporte a crianças e adolescentes com autismo.


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